Seven - Sete pecados capitais

Agora que a corrente noticiosa sobre o processo e-toupeira parece ter abrandado, considero que é importante tentarmos perceber um pouco do que está aqui em causa. Ontem publiquei um resumo do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa que resume os indícios do processo e-toupeira. Para quem não leu, parece-me importante que o faça (aqui).

Vamos então aos sete "pecados capitais" de Luís Filipe Vieira.

1 - Falência do sistema judicial

Neste documento estão presentes factos que ultrapassam as questões futebolísticas e entram numa esfera que diz respeito a todos os portugueses, independentemente da cor clubística. Estamos a falar de um verdadeiro caso de espionagem do sistema judicial. Os portugueses ficaram a saber que o sistema é susceptível de ser corrompido e que é possível "comprar" todas as informações sobre processos em curso. E aqui não se pode culpar o sistema informático, como tentou fazer Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, no último debate quinzenal. O sistema informático é feito para ser utilizado por pessoas. Se as pessoas que o utilizam se prestam a fazer o papel de toupeira não há nada a fazer.

Nos últimos anos muita gente rica e poderosa tem sido julgada em Portugal. Banqueiros, empresários, políticos e até um ex-primeiro-ministro. Nenhum deles se lembrou de fazer uma patifaria destas. A brilhante ideia partiu do Benfica e dos seus dirigentes, que ficarão marcados para a eternidade como os pais das toupeiras judiciais. Isto depois de o Benfica também estar ligado ao primeiro caso de compra de decisões judiciais em Portugal: Operação Lex. Recordo que Luís Filipe Vieira e Fernando Tavares são arguidos nesta operação em que o Benfica é metido ao barulho pelo facto de Vieira ter prometido ao juiz Rui Rangel a presidência da Fundação Benfica e um cargo remunerado na presidência da Universidade Benfica.

De facto, o Benfica é mesmo um clube pioneiro. Os benfiquistas podem ficar orgulhosos com tanto pioneirismo.

2 - "O segredo de justiça"

Não me venham falar na questão do segredo de justiça ser constantemente violado pela comunicação social. Estamos a falar de questões completamente diferentes. Uma coisa é a imprensa ter acesso a informação sobre processos e fazer disso notícia. Outra muito diferente é uma entidade ter informação confidencial sobre processos que lhe dizem directamente respeito, podendo preparar a sua defesa para qualquer eventualidade. Já para não falar do acesso a processos de rivais, que são autênticos actos de espionagem. 

Deixo um exemplo claro: Nunca em Portugal um órgão de comunicação social noticiou que uma determinada entidade ou pessoa iria ser alvo de buscas daqui a x dias. Este foi o tipo de informação que o Benfica dispôs durante meses. Todas as buscas efectuadas anteriormente nas casas dos dirigentes do Benfica e no Estádio da Luz estavam feridas de morte, uma vez que os visados já sabiam dessas diligências. Talvez por isso é que os inspectores da PJ não encontraram nada de particularmente relevante nessas buscas. 

Para este caso, a informação relativa à execução de buscas não foi carregada no sistema de forma propositada, para assim não permitir que os visados soubessem com antecedência do que iria acontecer. Como vimos no post de ontem (aqui), não faltaram indícios recolhidos nessas diligências no Estádio da Luz. Coincidências...

3 - "Ninguém se vende por bilhetes" 

Diz este documento que as contrapartidas foram: bilhetes para o anel VIP do Estádio da Luz, merchandising do clube e a promessa de um emprego para o sobrinho de um dos arguidos. Há ainda por apurar a questão dos 10 mil euros de depósitos na conta de José Augusto Silva e saber também as eventuais contrapartidas dadas a Óscar Cruz, que por não ser benfiquista não terá grande interesse em bilhetes e camisolas do clube. 

É preciso que fique muito claro que as pessoas valorizam as coisas de forma diferente. Se me oferecerem uma camisola do Benfica até posso considerar o acto como uma ofensa. Para outras pessoas será um sonho. Vale o que vale. É completamente irrelevante saber por quanto é que alguém se vende. Até podia ser por uma embalagem de vinho de pacote. Aqui o que está em causa é um conjunto de actos ilícitos que tiveram uma contrapartida dada pelo Benfica.

4 - Colaboração com a Justiça

Comunicado Benfica 7 de Março

No dia 7 de Março o Benfica reagiu pela primeira vez ao assunto afirmando "a total disponibilidade de colaboração com a justiça", como se pode ler no título a letras garrafais. E como é que o Benfica e os seus dirigentes mostraram essa total disponibilidade de colaborar e esclarecer a justiça?

Foi esta a forma encontrada que Paulo Gonçalves encontrou para mostrar a sua disponibilidade total em colaborar e esclarecer a justiça. Remetendo-se ao silêncio. E de facto parece-me que quem tem dois dedos de testa e leu documento do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa que resume os indícios, ficou devidamente esclarecido com este silêncio.

Eu pergunto: Se um de nós fosse acusado injustamente de um crime, não teríamos toda a vontade do mundo de na primeira oportunidade esclarecer todo o caso com a juíza do processo?

5 - Paulo Gonçalves "forever"

No primeiro comunicado colocado em cima, o Benfica reafirmou "a sua convicção e confiança que o Dr. Paulo Gonçalves poderá no decurso do processo demonstrar a licitude de todos os seus comportamentos e condutas". Passados dois dias, novo comunicado da SAD do Benfica:

Desta feita a SAD do Benfica "deliberou, por unanimidade, manter a sua integral confiança em Paulo Gonçalves". É muito importante referir que o Benfica tomou esta deliberação depois de ter conhecimento de tudo o que está no tal documento do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa que resume os indícios. Podem descarregar o documento no site Mercado de Benfica ou podem ler o resumo que ontem publiquei (aqui).

Cinco dias depois, a 14 de Março, o vice-presidente do Benfica, José Eduardo Moniz, esteve na Benfica TV numa espécie de entrevista encenada e sem contraditório. Moniz afirmou que Paulo Gonçalves colocou o seu lugar à disposição e que a administração não aceitou. Ora, o que tem corrido é precisamente o oposto. O "colocar o lugar à disposição" terá sido mais uma espécie de "se eu cair, levo-vos comigo". É que Paulo Gonçalves não é um qualquer "Zé do Benfica" fácil de descartar. Mas acaba até por ser irrelevante para o caso.

O que é um facto é que o Benfica de forma oficial colocou-se ao lado de Paulo Gonçalves para o que der e vier. Esta decisão por unanimidade terá obviamente de ter consequências directivas, caso Paulo Gonçalves seja condenado por algum crime no âmbito deste processo. Nenhum benfiquista esperará outra posição que não seja a demissão de todos os órgãos sociais do clube. Bem, se calhar esta última afirmação é um pouco abusiva, até porque há sempre a ordem dos cartilheiros para branquear a coisa.

6 - A teoria do "o Benfica não tem nada a ver com o caso"

Esta teoria de separar o Benfica dos seus funcionários é sempre gira. Já tinha acontecido com Pedro Guerra, que até teve de ser retirado dos quadros da Benfica TV, num exemplo claro da assunção da culpa pelos seus comportamentos.

Portanto, querem-nos fazer crêr que o Benfica ofereceu carradas de bilhetes VIP, merchandising oficial do clube e oferta de emprego a um familiar da "toupeira" sem que isso configure qualquer irregularidade para o clube. Ora, quem é que manda no Benfica? Não são os dirigentes colocados lá pelos sócios do clube? Obviamente, o clube é colocado em causa pelos comportamentos dos seus dirigentes.

Neste caso, o Benfica poderia ter colocado um muro entre Paulo Gonçalves e o clube. Bastava afirmarem que Paulo Gonçalves agiu em nome próprio e que as informações nunca chegaram a mais ninguém dentro do clube. Ninguém acreditaria, mas seria uma forma de salvaguardar o nome do clube. O que o Benfica fez foi precisamente o contrário. Os seus dirigentes colaram por completo as acções de Paulo Gonçalves com o Benfica, para o bem e para o mal. Posto isto, não me venham novamente com este argumento patético de "o Benfica não ter nada a ver com o caso".

7 - A casa dos outros

Este é o argumento que é sistematicamente utilizado por aqueles que sabem que estão completamente enterrados em porcaria e que querem desculpar os seus actos com os comportamentos dos outros. É o velho caso do menino que chega a casa com uma porrada de negativas da escola e que se desculpa com as notas dos colegas: "Ó pai, os outros meninos também tiveram muitas negativas". O que é que interessa ao pai as notas dos outros meninos? NADA. Mas o mais engraçado é na maior parte das vezes a história contada pelo filho ser mentira, e no final do dia os outros meninos até nem tiveram negativas.

Neste caso é a mesma coisa. Interessa ao Benfica justificar os seus maus comportamentos com os maus comportamentos dos outros. E não interessa se os outros têm ou não maus comportamentos. Se não têm, inventa-se dois ou três casos.

Neste sentido, os jornaleiros do jornal Sol/jornal I têm sido inexcedíveis, como se pode ver nos 4 exemplos que coloco anteriormente. Ainda ontem Rui Pedro Bráz disse que os "Os presidentes dos três grandes fazem o pleno na justiça: todos arguidos". É precisamente isto que o Benfica quer. Generalizar para desculpar. Mas não pode haver generalizações de algo que não pode ser generalizado. Vejamos:

Pinto da Costa foi absolvido de um caso relacionado com a contratação de segurança ilegal. Bruno de Carvalho foi ontem constituído arguido por ter denunciado publicamente o comportamento de João Pedro Paiva dos Santos, sócio do Sporting que andou a trocar emails com Pedro Guerra sobre a auditoria do Sporting. Já o Benfica e o seu Presidente estão atolados em esterco dos pés à cabeça. Operação Lex, operação e-toupeira, emails, jogos para perder e por ai fora. E a coisa parece que vai continuar a aquecer.

Isto é a mesma coisa que vermos o presidente da junta de freguesia de Cabeçudos em Vila Nova de Famalicão, designar o presidente dos E.U.A por colega. Afinal de contas, ambos usam a mesma designação: Presidentes.

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