Assim que o leak da auditoria chegou aos jornais e à Internet temos assistido a uma campanha de revisionismo relativamente às auditorias levadas a cabo em mandatos anteriores. Importa por isso recordar os procedimentos tomados nessa altura.
A auditoria "fantoche" de 2011
Ainda antes de falar nas auditorias feitas no mandato de Bruno de Carvalho é obrigatório recordar a auditoria "externa" que foi feita no mandato de Godinho Lopes. Uma auditoria que ficou designada pelos Sportinguistas como "Auditoria Fantoche".
Nas eleições de 2011 foi unânime entre os candidatos a necessidade de se fazer uma auditoria às contas das últimas gestões. Isso mesmo foi colocado nos programas eleitorais de Bruno de Carvalho e de Godinho Lopes. Como sabemos, Godinho Lopes "venceu" essas eleições e fez uma auditoria, mas não foi a prometida auditoria de gestão.
No comunicado oficial do Sporting onde esta auditoria foi anunciada, foi até trocada a designação de "auditoria de gestão" por "análise da evolução da situação patrimonial". E só por aqui se percebe o que se passou. A análise à gestão dos mandatos anteriores (que era o que se pretendia) foi transformada numa análise puramente financeira, que mais não foi do que um agregar de números dos relatórios e contas dos últimos anos. E aqui recorro à expressão utilizada pela candidatura independente ao CFeD, que na altura aludiu a esta auditoria como sendo uma espécie de extracto bancário.
Relativamente a esta "auditoria" é importante dizer que foi realizada pela Patrício, Moreira, Valente & Associados e que não foi assacada nenhuma responsabilidade aos ex-dirigentes e nem sequer saíram casos desta análise financeira às contas. Ficou tudo na paz do senhor, como alguns leitores se devem recordar.
As auditorias no mandato de Bruno de Carvalho
Em 2013, Bruno de Carvalho apresentou-se a votos propondo-se fazer o que não tinha sido feito por Godinho Lopes: uma verdadeira auditoria de gestão. Esta foi até uma medida bandeira do seu programa eleitoral definia claramente a realização de uma auditoria de gestão ao período de 1995 a 2013. Mas a auditoria de gestão a este período não constava só do programa eleitoral de Bruno de Carvalho. Os outros dois candidatos, José Couceiro e Carlos Severino, também colocaram esta proposta nos seus programas eleitorais. Logo, falamos aqui de uma proposta que recolheu o acolhimento de todas as sensibilidades e é representativa do facto de a auditoria de Godinho Lopes ter sido mesmo uma auditoria "fantoche".
O que é certo é que Bruno de Carvalho venceu as eleições e a auditoria de gestão avançou mesmo, sendo conduzida integralmente pelo Conselho Fiscal e Disciplinar. Na AG de 4 de Outubro de 2013, Bacelar Gouveira, então presidente do CFeD anunciou aos sócios que a auditoria de gestão iria analisar o período de 2 de Junho de 1995 a 27 de Março de 2013. Foram convidadas todas as empresas de auditoria registadas na CMVM e deste lote 14 empresas manifestaram interesse, sendo que 10 apresentaram mesmo proposta. Podem consultar o comunicado do Sporting
(aqui).
A 10 de Dezembro de 2013 foi formalizado o acordo entre o Sporting e a Mazars. Nesse mesmo dia foram apresentadas as fases de apresentação. A saber:
- Fase 1: Mandato de Luiz Godinho Lopes (27/03/2011 a 27/03/2013) e Gestão Imobiliária dos últimos 18 anos;
- Fase 2: Mandato de José Eduardo Bettencourt (06/06/2009 a 26/03/2011)
- Fase 3: Mandato de Filipe Soares Franco (19/10/2005 a 05/06/2009)
- Fase 4: Mandato de António Dias da Cunha (01/08/2000 a 18/10/2005)
- Fase 5: Mandato de Pedro Santana Lopes e José Roquette (02/06/1995 a 31/07/2000)
Na altura a previsão apontava para que as conclusões fossem apresentadas aos sócios entre Janeiro de 2014 e Março de 2015. Mais tarde, o Sporting e a empresa Mazars chegaram a acordo para a prolongação dos prazos. A justificação dada aos sócios passou pela complexidade dos trabalhos. Ficou então definido o intervalo temporal entre Setembro de 2014 e Junho de 2015
(aqui), que também não foi cumprido. No final do dia, o termino de todo o processo foi atrasado meio ano. A auditoria estava previsto estar concluída em Março de 2015 e foi concluída em Setembro de 2015.
De seguida deixo as datas de aprestação das diversas auditorias por ordem cronológica:
1) 05/10/2014 - Apresentação Mandato de Godinho Lopes em sede de Assembleia Geral;
2) 19/12/2014 - Apresentação Mandato de José Eduardo Bettencourt, apresentada aos sócios no auditório Artur Agostinho em sessão de esclarecimento;
3) 28/06/2015 - Apresentação Mandato Filipe Soares Franco e gestão imobiliária (1995-2013), apresentada aos sócios em sede de Assembleia Geral;
4) 27/09/2015 - Apresentação Mandato de Dias da Cunha e Pedro Santana Lopes/José Roquette
Um único "leak" para a imprensa
Falamos de 5 auditorias individualizadas (uma por mandato) e uma sexta referente à gestão do património imobiliário de 1995 a 2013. O único leak que saiu para a imprensa foi precisamente da auditoria que não envolvia um mandato em particular, mas sim a gestão do património imobiliário. Um artigo que nos últimos tempos se tornou célebre na narrativa daqueles que dizem que "Bruno de Carvalho fez o mesmo".
Esta notícia do Expresso foi publicada na véspera da AG de apresentação de auditorias ao mandato de Filipe Soares Franco e de gestão do património imobiliário. Importa dizer que o Expresso não teve acesso à auditoria completa, mas sim a uns "documentos de síntese" sobre a gestão do património imobiliário, como está referido na própria notícia. Relativamente à auditoria de gestão do património imobiliário falamos de algo que é factual e não subjectivo, como vamos ver de seguida.
"O Expresso teve acesso aos documentos de síntese, que evidenciam um contraste: no final de 1994, o Sporting tinha um património imobiliário de €55 milhões e uma dívida bancária quase inexistente; a meio de 2013, o património imobiliário era quase inexistente e a dívida bancária ascendia a €331 milhões."
De clube mais rico e com mais património em Portugal no final de 1994, para uma situação de pré-falência com um PER a ser trabalhado no final do mandato de Godinho Lopes em 2013. Foi também graças a esta auditoria ao património que os Sportinguistas ficaram a saber que a construção do Estádio teve uma derrapagem de quase 80 milhões de euros. A obra estava orçada em 106 milhões e acabou por custar 184 milhões de euros. Por comparação, o Estádio do Dragão custou 125 milhões (número oficial do Porto) e o Estádio da Luz custou 162 milhões (número divulgado por Domingos Soares de Oliveira).
Footballeaks
A 2 de Dezembro de 2015, já depois de toda a auditoria ter sido discutida e votada pelos sócios, o Footballeaks publicou todas as fases das auditorias no blog oficial. E aqui sim, falamos de um roubo de informação, ao contrário do leak actual. Importa ainda recordar que na elaboração destas auditorias imperou a responsabilidade e não foram colocadas em papel as relações com fornecedores, orçamentos de modalidades e nem salários de atletas e funcionários. Algo que nunca poderia nem deveria ser colocado em papel. Infelizmente esse sentido de responsabilidade não existiu na direcção actual que permitiu que toda a vida interna do Sporting fosse passada a papel, sem que tenha qualquer relevância no essencial, que passava por perceber se o Sporting foi ou não prejudicado pela gestão de Bruno de Carvalho.
Audição dos visados em AG e os processos
É também de extrema importância recordar que os ex-dirigentes foram convocados para se defenderem e darem explicações aos sócios em sede de AG. A realidade é que nenhum ex-dirigente com responsabilidades compareceu nas reuniões magnas. Das AG´s em que estive presente recordo-me apenas de ver Paulo Farinha Alves, elemento que entrou para a SAD já nos últimos meses do mandato de Godinho Lopes. Obviamente, não teria de ser ele a responder, mas saliento aqui a sua presença nessas AG´s.
Não era necessário, mas a direcção do Sporting entendeu levar a votação dos sócios um pedido para intentar processos judiciais contra ex-dirigentes no âmbito da auditoria. Uma proposta contemplada na convocatória da AG em que foi revelada a primeira fase da auditoria. Dizer também que nessa AG este foi o único ponto que foi votado em urna para que o processo não condicionasse nenhum sócio. A votação foi esmagadoramente favorável e avançaram dois processos.
As apresentações da Auditoria foram concluídas em Setembro de 2015 e em Março de 2016 o Sporting apresentou processos contras as administrações de Godinho Lopes e José Eduardo Bettencourt, como podem ver de seguida:
Para além dos dois ex-presidentes, eram réus Francisco Louro da administração de José Eduardo Bettencourt, assim como os Luís Duque, Nobre Guedes, Silva e Costa (actual "paineleiro" do Record) Carlos Barbosa (o Sr. dos reboques do ACP) e Carlos Freitas. Estes últimos pertencentes à administração de Godinho Lopes.
A proposta de José Eduardo Bettencourt
No seguimento deste processo o advogado de José Eduardo Bettencourt fez um proposta ao Sporting para que o processo passasse de um tribunal civil para um tribunal arbitral, permitindo que estas matérias fossem debatidas dentro de casa e com prazos mais curtos para definição de um veredicto. Em sede de tribunal arbitral o Sporting escolheria um juíz, José Eduardo Bettencourt escolheria outro juíz e as duas partes em conjunto escolheriam um juíz presidente. Todos os juízes seriam sócios do Sporting e o julgamento seria realizado apenas com a presença de 100 sócios do Sporting, cujo método de escolha seria definido pela AG.
Uma proposta que teve a concordância dos órgãos sociais do Sporting, com a condição de os restantes membros da administração de José Eduardo Bettencourt (nomeadamente Francisco Louro) também aceitarem este tribunal arbitral. É que no caso de uns administradores serem julgados num tribunal civil enquanto José Eduardo Bettencourt fosse julgado num tribunal arbitral poderia criar um enorme imbróglio jurídico em que uma sentença destas sentenças fosse passível de ser anulada.
Apesar desta condição expressa desde logo pelo Sporting, Bruno de Carvalho levou o assunto e a proposta de José Eduardo Bettencourt à AG de 2016. Proposta que foi aceite pelos Sportinguistas. A realidade é que a não aceitação de Francisco Louro não permitiu esse tribunal arbitral.
Antes de continuar com o histórico relacionado com as auditorias, faço um pequeno aparte para ouvir o senhor presidente da Mesa da Assembleia Geral, até porque se enquadra com o ponto seguinte de análise. Vamos lá.
"O encantador de serpentes"
No passado dia 23, Rogério Alves - conhecido entre os Sportinguistas pelo cognome de "encantador de serpentes" - concedeu uma entrevista na SportingTV, onde disse uma mentira imperdoável. Mais uma mentira que vem no seguimento deste revisionismo mentiroso em relação às auditorias feitas no passado. Atentem no que diz este senhor:
Comissão de Audição
Enquanto ouvem o eloquente discurso do senhor presidente da MAG, fiquem com uns prints de umas notícias relativas à audição de ex-presidentes do Sporting no âmbito das auditorias de gestão.
O único visado nas auditorias que recusou dar explicações foi o Presidente Dias da Cunha. Como vimos em cima, todos os outros deram as suas explicações dentro de casa.
Resultado prático destas audições
Uma vez que há por ai muita gente esquecida, importa recordar que através dessas audições ao ex-presidentes saíram inclusivamente medidas da Administração da SAD no sentido de menorizar os processos contra ex-dirigentes. A saber:
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Link do comunicado Sporting (aqui) |
Como podem verificar, a administração da SAD acolheu os argumentos de José Eduardo Bettencourt e desistiu da acção judicial contra o ex-presidente, uma vez que consideraram como válidas as suas justificações. Em relação ao Eng.Godinho Lopes foi decidido manter o processo reduzido o pedido de indemnização dos 73 milhões de euros para os 31,6 milhões como vem expresso no comunicado.
Processos em tribunal contra ex-dirigentes
De todos os ex-presidentes apenas Godinho Lopes e José Eduardo Bettencourt foram processados pelo Sporting. Como vimos em cima, após a audição em sede de comissão de audição dos ex-presidentes, a administração da SAD decidiu retirar o processo a José Eduardo Bettencourt e prosseguir apenas com o processo a Godinho Lopes. Isso mesmo está plasmado no Relatório e Contas anual da Sporting SAD da época passada, como podem ver de seguida:
Importa ainda recordar que fora do âmbito da auditoria existe um outro processo contra Godinho Lopes relacionado com a renovação de Izmailov e com as contratações de Jeffren e Rodriguez. Um processo que entrou no tribunal cível, que julgou-se "materialmente incompetente para dirimir o litígio" passado então este processo para o Juízo do Comércio de Lisboa. Neste caso para além de Godinho Lopes são também réus Luís Duque, Carlos Freitas e Nobre Guedes que entretanto faleceu, estando a aguardar-se a habilitação de herdeiros. Relativamente a esta questão da habilitação de herdeiros a última informação disponível é de Junho de 2018, por isso é provável que já existam alterações nesta matéria.
Para fechar
Quando li na imprensa que Rogério Alves iria dar uma entrevista na SportingTV, pensei que o mote seria o anuncio de uma série de Assembleias Gerais para que os sócios pudessem debater a vida interna do clube. É que para além da AG relativa à Auditoria, há ainda mais duas AG muito importantes para a vida interna do clube. A AG pedida por Bruno de Carvalho para os sócios votarem ou não a revogação da expulsão de sócio e também a AG para apresentação do Orçamento para a época 19/20.
Face a isto, fiquei estupefacto quando percebi que Rogério Alves não foi capaz de anunciar a marcação de uma única AG, apresentado até justificações surreais relacionadas com feriados. E aqui tenho de dizer que é vergonhoso que a AG para debater a auditoria não esteja já marcada. Aliás, deveria ter sido marcada logo a 15 de Março, dia em que o Sporting recebeu o relatório final da auditora. Já passou mais de mês e meio e até agora nada.
Tudo isto é ainda mais escandaloso quando o senhor Rogério Alves aparece como um paladino da defesa dos visados, mentindo aos associados. Para que não restem dúvidas, relativamente ao processo de audição, considero que as auditorias devem ser feitas pelas auditoras sem qualquer contraditório dos visados ou interferência dos órgãos sociais. Depois de estar concluída a auditoria o clube é que tem de dar oportunidade aos visados de se defenderem e parece-me que o melhor lugar para esse efeito é mesmo a Assembleia-Geral.
Ora, estando já a auditoria disponível para todo o mundo é ainda mais vergonhoso que se arraste este assunto no tempo sem marcar uma AG que permitisse aos visados darem explicações de viva voz aos sócios, colocando um ponto final no anátema que sobre eles se abate. Perante isto é nojento ver o Presidentes Varandas e Rogério Alves a atacarem ex-dirigentes do Sporting por virem para a imprensa defenderem-se das acusações. Queriam que os visados fizessem o quê? Ficassem calados enquanto o seu nome e reputação é lançado na lama ?
Termino relembrando que neste momento o sistema eleitoral do Sporting impõe um sistema de lista única, que é o mesmo que dizer que todos os órgãos sociais são unos e têm responsabilidade sobre todo o trabalho que está a ser desenvolvido. Quando o lema "Unir o Sporting" foi lançado, não dizia só respeito ao conselho directivo, mas sim a todos os outros órgãos sociais. Perante isto, pergunto ao senhor Rogério Alves se é através da mentira e da utilização de expedientes de chico-espertismo que se une o Sporting?
Fica a pergunta no ar e o esclarecimento para que este revisionismo mentiroso não passe como verdade.
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