
A contratação de um treinador é das decisões mais importantes que um Presidente pode tomar e não pode ser tomada da animo leve. Neste post pretendo analisar a decisão de Frederico Varandas em contratar Marcel Keizer.
A primeira escolha
Antes da partida do Sporting para a ilha de São Miguel onde iria defrontar o Santa Clara, Frederico Varandas assumiu que Leonardo Jardim seria a sua primeira escolha e confirmou o "interesse real" no regresso do treinador.
A qualidade de Leonardo Jardim é inatacável e a sua contratação seria uma jogada brilhante. Infelizmente, o treinador está numa fase da carreira cujos planos não passam pelo regresso a Portugal.
Este interesse em Leonardo Jardim é também demonstrativo da existência de capacidade financeira para ir buscar um treinador de créditos firmados. Certamente, Frederico Varandas não tentaria contratar Leonardo Jardim oferecendo-lhe meia dúzia de tostões. Recordo que o treinador português auferia um salário mensal de 350 mil euros limpos no Mónaco. Posto isto, os Sportinguistas foram levados a acreditar que havia capacidade financeira para encontrar uma solução de inegável capacidade.
O perfil
Olhando também para o que foi sendo dito por Frederico Varandas durante a campanha eleitoral, julguei que se iria optar por um treinador português. Vamos recordar aquilo que Frederico Varandas disse aquando da contratação de José Peseiro.
"Acho que é muito feliz a escolha de um treinador português e que conhece o futebol português, que sabe o que significa jogar ao Desportivo das Aves, sabe o que significa jogar em Braga, jogar em campos como o do Tondela. É preciso conhecer o futebol português. Não há tempo. O treinador do presente, da comissão de gestão, não podia ser um treinador que lhe explicassem (o que é o futebol português) e que só conhecesse o Sporting, Benfica e Porto."
Devo dizer que concordo com a visão apresentada por Frederico Varandas aos sócios durante a campanha eleitoral. Considero até que o campeonato português é um campeonato à parte dos restantes campeonatos e que preferencialmente devemos optar por um treinador português. É evidente que em determinados momentos pode não ser possível por imperativos de mercado/qualidade disponível a contratação de um treinador português. Não era este o caso. Paulo Sousa, Miguel Cardoso e Rui Faria estavam livres e treinadores como Rui Jorge (final de um ciclo de qualificação nos Sub-21) ou Vítor Pereira (final campeonato Chinês) poderiam ser hipóteses. Isto só para citar aqueles que foram apontados como possíveis treinadores do Sporting.
Frederico Varandas ignorou todos estes nomes e a sua ideia sobre o perfil que um treinador do Sporting deveria ter e de forma inexplicável decidiu contratar Marcel Keizer. E passo a explicar o porquê de considerar esta decisão como "inexplicável".
Quem?
"Quem?". Esta deve ter sido a pergunta que veio à cabeça da esmagadora maioria dos Sportinguistas no momento em que foi noticiado o interesse do clube em Marcel Keizer. Eu diria que 99% dos Sportinguistas não conheciam o treinador. Chegados aqui é preciso perguntar se faz algum sentido que um clube como o Sporting contrate um completo desconhecido. Faz?
O percurso
Já escrevi um post sobre o seu percurso no mundo do futebol
(aqui), mas deixo um pequeno resumo. Keizer foi formado no Ajax onde fez apenas 4 jogos pela equipa principal. A sua carreira como futebolista prosseguiu na 2º Divisão da Holanda onde fez praticamente toda a sua carreira.
Como treinador esteve 7 anos a treinar equipas amadoras e em 2012/2013 treinou a sua primeira equipa profissional, o Telstar da II Liga Holandesa. Em 2014/2015 deixou a carreira de treinador tornando-se coordenador técnico do Cambuur. Em 2015/2016 voltou ao banco como treinador do Emmen da II Liga. Em Fevereiro de 2016 regressou ao Cambuur da I Liga e onde não conseguiu evitar a despromoção tendo acabado a época no último lugar.
De seguida foi convidado pelo Ajax para assumir a equipa B. A boa prestação na II Liga fez com que fosse escolhido para treinador principal do clube. Na equipa principal do Ajax esteve apenas 6 meses sendo demitido em Dezembro de 2017. O Ajax de Keizer foi eliminado na 3ª pré-eliminatória da Champions pelo Nice e de seguida foi também eliminado no play-off da Liga Europa frente ao Rosenborg. A eliminação da Taça da Holanda em Dezembro selou o seu destino numa altura em que era 2º na Liga a 5 pontos do PSV.
O "mito" de ser um treinador formador
Tem dado jeito passar a mensagem que o holandês é um treinador formador, mas se formos verificar os factos, nada disso corresponde à realidade. Desde logo, nunca treinou uma equipa de formação ou esteve ligado ao processo formativo. Treinar a equipa B do Ajax e dizer que se aposta na formação é ridículo. Obviamente, que numa equipa cheia de jovens só lhe restaria apostar nos jovens. Basicamente é a mesma coisa que dizerem que os treinadores das diversas equipas sub23 deste país apostam nos jovens.
Existe um dado que é absolutamente avassalador nesta matéria. Na época em que treinou a equipa principal do Ajax (2017/2018) foram lançados 4 jogadores das escolas do Ajax na equipa principal: Azor Matusiwa, Noussair Mazraoui, Dani de Wit e Jurgen Ekkelenkamp. Sabem quantos foram lançados por Marcel Keizer? Nenhum. Estes quatro atletas foram todos lançados pelo treinador Erik ten Hag.
Para quem não percebeu, Marcel Keizer esteve no clube que mais aposta na sua formação em termos mundiais e não lançou um único jogador formado no Ajax. Isto não quer dizer que não possa ser no Sporting um treinador que aposte nos jovens, mas a realidade mostrada no Ajax não foi essa e é com essa que tenho de analisar a sua escolha.
A decisão
Analisando agora a decisão de três pontos de vista diferentes:
Financeiro
Com a tentativa de contratação de Leonardo Jardim, Frederico Varandas mostrou que o Sporting estava disposto a investir forte num bom treinador. Posto isto, não se pode dizer que formos buscar um treinador desconhecido por falta de capacidade financeira, até porque a contratação de Keizer acabou até por não sair barata. Como sabem tivemos de pagar a cláusula de rescisão do treinador que andava na casa do meio milhão de euros. Quanto ao salário, também não deve ser baixo, uma vez que estava nos Al Jazira dos Emirados Árabes.
Conhecimento realidade portuguesa e currículo
Na campanha eleitoral, Frederico Varandas referiu-se à importância de o treinador conhecer bem o campeonato, os atletas, os adeptos, os estádios, etc. Em pouco tempo terá mudado de ideias relativamente a essa questão e agora achará que a "importância de conhecer o que é jogar nas Aves" é nula. Além desta questão eu ainda acrescento a importância de dominar a língua portuguesa para conseguir comunicar de forma adequada com os jogadores, adeptos e sobretudo com a imprensa.
Relativamente ao currículo do treinador estamos conversados. Keizer não tem absolutamente nada para apresentar nem como jogador, nem como director, nem como treinador. Factualmente, Frederico Varandas optou por um homem que na sua 14ª época como treinador não tem qualquer feito relevante. Um treinador que tem 36 jogos numa 1ª Divisão (11 no Cambuur, 17 de Ajax e 8 no Al Jazira) e apenas 4 jogos europeus sem qualquer vitória (esperemos que consiga hoje). Um treinador que esteve na equipa principal do Ajax e conseguiu a proeza de não lançar um único jovem da formação.
Ainda para mais um treinador de uma escola que não tem neste momento um único treinador em destaque no futebol mundial, quando nós temos treinadores com grande capacidade e reconhecimento a nível internacional. Falamos de uma escola holandesa de ataque e que descura muito a vertente defensiva, que como sabemos é uma das chaves para se ter sucesso no campeonato português.
Opção política
Para além das questões desportivas, é preciso relevar também as questões políticas. Nem por ai, Varandas foi inteligente. Se olharmos para aquelas que foram as escolhas dos últimos presidentes percebemos que têm sido escolhas lógicas e bem aceites pelos Sportinguistas desde o primeiro momento. É indesmentível que Frederico Varandas é um presidente com um estatuto muito frágil e que nem sequer teve o apoio da maioria dos sócios nas últimas eleições, tendo ganho pela ponderação de votos dos mais velhos. Por isso mesmo, a estabilidade do clube beneficiaria que fosse contratado um nome mais consensual entre os Sportinguistas e não um completo desconhecido. Varandas não quis saber disso e a sua forma de unir o Sporting é contratar um treinador que ninguém conhece de lado nenhum. Um opção que é totalmente legitima.
O Presidente assumiu a decisão e disse que a mesma foi muito pensada e que não a tomou por motivos de popularidade, estando profundamente convicto que o holandês é o melhor para o Sporting. Frederico Varandas viu em Marcel Keizer o que mais ninguém no mundo viu ou vê. Assim sendo, assumirá por inteiro a responsabilidade desta contratação, para o bem e para o mal.
Costuma-se dizer que a linha que separa a genialidade da loucura é muito ténue. Um dia todos poderemos fazer uma análise profunda ao trabalho de Keizer e perceber se esta decisão de Frederico Varandas foi genial ou se foi uma completa loucura.
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