domingo, 4 de dezembro de 2016

O toque de Mendes - As offshores de José Mourinho


A biografia daquele que é, segundo a "Forbes", o agente de futebolistas mais rico do mundo, Jorge Mendes, equipara a sua ascensão à meteórica progressão de Ronaldo. Mas há outro homem-chave no seu arranque: José Mourinho. O treinador pôs a sua carreira nas mãos de Mendes em 2004, depois de ganhar a Liga dos Campeões com o FC Porto e antes de assinar com o Chelsea. E assim lançou o agente para o estrelato. 

A sua chegada a Premier League há 12 anos consolidou o negocio de Mendes e este fez a sua parte no acordo com Mourinho: desde então, o treinador recebe os rendimentos por direitos de imagem através de uma estrutura offshore que se reparte entre Irlanda, Ilhas Virgens Britânicas (BVI na sigla inglesa) e Nova Zelândia, que dificulta o controlo de qualquer autoridade fiscal. Segundo a revista "Der Spiegel", numa investigação da rede europeia de jornalismo EIC —European Investigation Collaborations, a qual o Expresso se associou, a Agência Tributaria de Espanha realizou uma inspecção as declarações de Mourinho em 2014 e impôs-lhe uma sanção um ano depois. O valor final da coima, 2,1 milhões de euros — 20% das suas receitas entre 2010 e 2013 — prova os obstáculos que o ministério espanhol das Finanças (a "Hacienda") enfrenta perante o universo de Jorge Mendes.

TEIA DAS CARAÍBAS A OCEANIA 




Sendo um dos primeiros clientes de Mendes, Mourinho serviu para aperfeiçoar um sistema que se repetiria noutros casos. O facto de o treinador ter chegado ao Reino Unido, onde o superagente já tinha relações de negocio, e de o ter feito de forma fulgurante, levou a que muitos patrocinadores se interessassem por ele, permitindo montar uma estrutura em seu redor. 

Essa estrutura começou nas Caraíbas, no mesmo sitio da estrutura em torno de Cristiano Ronaldo: num edifício em Vanterpool Plaza, na ilha de Tortola, que pertence as BVI, consideradas um paraíso fiscal pela OCDE. Ali foi criada uma empresa chamada Koper Services SA e foi a essa sociedade que Mourinho, em 2004, entregou os seus direitos de imagem, com uma contrapartida financeira, mostram os documentos obtidos pela "Spiegel". 

Graças a permissiva legislação fiscal das BVI, a Koper não deveria pagar impostos sobre os rendimentos publicitários do treinador, mas a gestão destas receitas não podia ser feita num escritório sem empregados naquele território insular britânico. Entre 17 de Setembro de 2004 e 22 de Dezembro de 2008, a Koper cedeu a exploração dos direitos de imagem a duas empresas do grupo de Mendes na Irlanda, a Multisports & Image Management Limited (MIM) e a Polaris. Assim, treinador e agente garantiram que trabalhariam dentro da Uniao Europeia e, ao mesmo tempo, com uma baixa tributação (o imposto sobre sociedades na Irlanda é de 12,5%). 

Os patrocinadores interessados em usar a imagem do treinador pagavam a MIM e a Polaris na Irlanda e, depois, esse dinheiro, descontadas as comissões para aquelas duas empresas (entre 24% e 26,5% no total), chegavam a Koper nas BVI. A baixa taxação dos dois territórios permitiam que os benefícios fossem elevados para todos. E, alem disso, Mourinho estava salvaguardado por uma estrutura complexa. 

Se, em algum momento, as autoridades de algum pais se interessassem pelo assunto e tentassem atribuir a propriedade da offshore Koper ao técnico, deparar-se-iam com uma empresa de fachada. Outra empresa na BVI, a Operating Nominees Limited, com morada também no referido edifício de Road Town, apresentava-se como dona da Koper, ainda que, na realidade, o controlo da mesma estivesse a milhares de quilómetros das Caraíbas. 

Segundo os documentos obtidos pela "Spiegel" e partilhados com o consorcio EIC, o contrato Kaitaia Trust, firmado em Auckland, Nova Zelândia, tinha como "trustees" (os detentores deste titulo de propriedade) as empresas Denton Morell e Kaitaia Holding, e eram estas na realidade as donas da Koper. José Mourinho era o beneficiário principal dos activos abrangidos por aquele contrato, que tinha ainda como beneficiários no longo prazo a mulher e filhos do treinador. Este esquema enviava os ganhos publicitários para Mourinho para outro ponto do globo e, alem disso, permitia-lhe arrecada-los para o futuro sem precisar de tributa-los anualmente. 

Toda essa estrutura abrigou as elevadas receitas publicitarias de Mourinho durante uma década, ate que, já concluída a sua passagem pelo Real Madrid, a Agência Tributaria de Espanha decidiu questioná-lo. 

O FISCO ENTRA EM ACÇÃO



A 22 de Julho de 2014, através do seu "Programa 12.300", um pacote de inspectores fiscais lançado em Espanha especificamente sobre desportistas, o organismo do ministério espanhol das finanças abriu uma investigação sobre as declarações de imposto sobre o rendimento de pessoas físicas (IRPF, equivalente ao IRS em Portugal) do treinador para os anos 2010, 2011 e 2012, e o imposto de rendimento para não residentes de 2013, e contactou os representantes legais de Mourinho em Espanha. 

O objectivo era claro: que Mourinho fosse tributado por todas as suas receitas de direitos de imagem e empresas offshore e que o fizesse como se isso fizesse parte do seu salário. 0 treinador, fora do alcance da Lei Beckham por ter chegado a Espanha depois de 1 de Janeiro de 2010, podia ser chamado a pagar ate 52% dos ganhos registados durante a sua passagem pelo Real Madrid. 

Entre 2010 e 2013, Mourinho obteve receitas de mais de 11 milhões de euros. O principal pagador era o próprio Real Madrid, que lhe enviava anualmente para a estrutura empresarial de Mourinho mais de 2 milhões de euros líquidos a titulo de direitos de imagem. Em segundo lugar estava a Adidas, da qual recebia entre 150 mil e 600 mil euros anuais. A seguir vinham o BCP, a Braun, entre outros. 

Durante meses, os seus advogados em Espanha poderão ter receado que o treinador acabasse envolvido num processo criminal parecido com o que enfrentaram jogadores como Lionel Messi, Xabi Alonso ou Mascherano, em todos os casos com penas de prisão, ainda que no final tenham conseguido que as suas estratégias surtissem efeito: pagaram e não foram presos. A 17 de Junho de 2015, o caso de Mourinho ficou encerrado com duas vitorias para o treinador: foi inspeccionado pelas finanças, mas não só não foi investigado por um crime fiscal como também raiz, teve de pagar todos os 4,4 milhões de euros (2,9 milhões de contribuições em atraso, 1,1. milhões de coima e quase 400 mil euros de juros) que foram impostos pela Agenda Tributaria por uma "infração grave" na qual se concluiu existir ocultação de rendimentos. 

EM NOME DA REDE EIC, A "SPIEGEL" TENTOU OUVIR JOSÉ MOURINHO ATRAVÉS DE QUESTÕES ENVIADAS A GESTIFUTE, MAS NÃO OBTEVE RESPOSTAS 

A 10 de Junho de 2013, uma semana depois de anunciar o seu regresso ao Chelsea, o treinador mudou-se para Londres e, graças a documentação sobre essa mudança, a coima ficou, na pratica, em menos de metade Nesse ano, 2013, o Real Madrid pagou-lhe mais de 15 milhões de euros, entre salários e acertos. 0 fisco espanhol reteve-lhe, como residente em Espanha, mais de 6 milhões de euros, mas a sua permanência em Espanha nesse ano, de 160 dias, não chegou aos 183 dias que a lei espanhola exige para considerar uma pessoa como tendo residência fiscal no pais num dado ano.

Assim, Mourinho Ode declarar-se não residente em Espanha em 2013 e reclamar do fisco a diferença face a retenção dos rendimentos no clube (resultante da aplicação de uma taxa de 24,75% como não residente, em vez de uma taxa ate 48% como residente). Desta forma, foram descontados 2,3 milhões de euros aos 4,4 milhões que lhe tinham sido inicialmente impostos por não declarar, ao longo de quatro anos, mais de 11 milhões de euros de receitas publicitarias. 

O pagamento de Mourinho ao fisco espanhol ficou, assim, em 2,1 milhões, menos de metade do valor originalmente cobrado, para contentamento dos seus consultores e de Jorge Mendes, que, no entanto, viria mais tarde a receber mas noticias. 

Semanas antes de fechar este dossie, a Agência Tributaria pediu ao Real Madrid informação sobre as comissões pagas a Jorge Mendes pelo clube em nome de José Mourinho. 0 entendimento do fisco: esses montantes deviam ter sido tributados como parte do salário do treinador. Como havia feito em casos similares com outros futebolistas, a "Hacienda" considerou que o dinheiro pago ao agente devia ter tido uma retenção de ate 48% e impôs uma sanção a quem arrecadou dinheiro a mais, o treinador. 

Os advogados apresentaram novamente as suas alegações. O Real Madrid chegou a produzir uma carta em que declarava ter utilizado os serviços de Jorge Mendes como assessor externo para renovar o contrato de Mourinho e não como representante do próprio treinador. Mas desta vez a táctica não funcionou. 

A Agenda Tributaria determinou dois montantes a pagar, uma parcela superior a 800 mil euros por contribuições em atraso e outra acima de 500 mil euros como coima. Mourinho pagou a primeira, elevando para quase 3 milhões 

Artigo publicado pelo jornal Expresso em 03/12/2016. Nos próximos tempos darei atenção especial a este segunda vaga do Footballeaks.

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14 comentários:

  1. Mister, tanta confusão com as Virgens Britânicas, com a Irlanda, com a Fazenda espanhola e, afinal, aqui tão perto deles, um oásis paradisíaco - Portugal!
    Utilizasse Mendes as contas lampiónicas para centralizar todos os seus (e dos seus clientes) movimentos financeiros e nenhum destes problemas lhe bateria à porta.
    Cá em Portugal mandam eles!

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  2. O Mendes vai ao fundo, mas não vai sozinho..

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  3. Post muito interessante e com informação de relevo.
    Pergunto eu agora, este voluntarismo nesta pesquisa toda (neste e noutros posts) será que não tem uma ajuda patrocinada por alguém? À semelhança do outro MdC que até já o confessou?
    Assim de repente lembro-me de uma ajuda divina, de uma mão bem próxima de Jesus?

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    Respostas
    1. Isto de ler os posts até ao fim dá jeito. Este texto é um "Artigo publicado pelo jornal Expresso em 03/12/2016.".

      Outro MdC? Agora estou perdido, mas estou certo que me vai esclarecer...

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    2. Mestre de Cerimónias
      Mister do Café

      O "C" é de Carvalho :)
      De primos de Bruno de carvalho!!!

      É esta a "tese" de mestrado deste avençado!
      Pode rir mister, é a sério.

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    3. Interessante mesmo é como os lampiões se sentem queimados com estes Artigos em que o nome dos Sociedade de Ladrões de Beneficia nem sequer é mencionado.

      Isso é que é interessante!!

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    4. Nem comento o facto de isto ser uma investigação internacional (Der Spiegel repetido várias vezes - deve ter pensado que era um jogador do Real Madrid), mas esta última frase deixou-me intrigado:
      "Assim de repente lembro-me de uma ajuda divina, de uma mão bem próxima de Jesus?"

      Ajuda divina + perto de Jesus = João de Deus!
      Não vejo outra hipótese. A não ser que a rena seja um perfeito imbecil que nem insinuações decentes consegue fazer. Descarto por completo esta última hipótese, porque o burro é o IQ80 e não podem ser todos ignorantes em carnide... Certo?

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    5. Posso também sugerir mais uma pesquisa sobre uma publicação no Expresso do Huambo no passado mês de Outubro e relacionada com transferências duvidosas e circulação de dinheiro "por baixo do tapete": Mosquito e as perigosas ligações Cá e Lá.
      No Diário do Musseque de Luanda, saiu no dia seguinte com o título: Mosquito, o Zika do futebol.

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    6. Estamos a falar do mesmo Mosquito que pagou o Samaris ao Benfica, não é?

      Se tem esses artigos envie-me para eu analisar.

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    7. " Mosquito que pagou o Samaris ao Benfica"?
      Se tem prova do que diz publique aqui. Não se podem estar a fazer insinuações sem provas, que não as tem por ser totalmente falso.
      Já o Paulisteiro vem para o Scp via esse pernilongo e recreativo de Cá e Lá.

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  4. Parabéns Mister ;) e obrigado pelo teu trabalho.

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  5. a pouco e pouco vao desmascarando o menino Mendes... se se derem ao trabalho de o investigar a fundo, ai e' que a lavandaria da Luz entra em panico

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