Meus caros,
Após longa ausência, entendi que pela importância do momento deveria voltar às publicações, tentando contribuir para o esclarecimento dos Sportinguistas e apelando para que possam votar de forma informada e consciente na Assembleia Geral.
Hoje, o Pavilhão João Rocha recebe uma das mais importantes reuniões magnas da história do Sporting Clube de Portugal, estando em cima da mesa uma alteração estatutária que é facilmente vendida como sendo muitíssimo apelativa para os Sportinguistas, mas que a ser aprovada dá plenos poderes a estes ou a outros órgãos sociais para moldarem um novo Sporting. Refiro-me em concreto ao ponto 3 da ordem de trabalhos relacionado com a inclusão de um novo artigo nos estatutos do clube que consagra a "Votação eletrónica à distância".
Uma matéria complexa, que merece uma profunda reflexão. Aqui fica a minha:
O argumento pelo "Sim" e a falta de debate
No enquadramento da proposta, os argumentos utilizados pelo Conselho Diretivo são os da "participação universal de todos os Sócios nas decisões do Clube", "permitindo aos Sócios espalhados pelo país e pelo mundo possam ter voz na vida do Clube".
Não há dúvida que apresentados desta forma simplista são argumentos fortes e que sensibilizam os Sócios do clube para votarem favoravelmente, especialmente para uma esmagadora maioria dos Sócios que não se preocuparam nem pensaram em concreto nas implicações de uma alteração tão importante para o clube. E aqui não é uma crítica. Cada associado vive o Sporting da forma que entende e já muito massacrados têm sido os Sportinguistas com estatutos, regulamentos e afins.
Precisamente por esse histórico e pela extraordinária importância desta matéria, diria o bom senso, e sobretudo a defesa dos princípios da transparência, do escrutínio e da unidade do clube, que os órgãos sociais do clube promovessem um amplo debate entre os Sportinguistas, dando tempo para que todos se pudessem informar devidamente, permitindo até fortalecer uma decisão desta magnitude, fosse ela qual fosse.
Não só não foi isso que aconteceu, como não existiu um debate sério sobre o assunto, limitando-se o clube a propagandear a ideia em todos os seus canais de comunicação e inclusivamente na imprensa amiga, como ficou ontem bem patente na encomenda de capa no Jornal Record. Reparem que não existiu uma apresentação pública, uma sessão de esclarecimento aberta aos sócios ou sequer uma entrevista ao Presidente do Conselho Diretivo onde este pudesse explicar e sobretudo, ser confrontado com as muitas dúvidas que o processo deste género deveria levantar.
Este vazio de esclarecimentos é ainda mais relevante quando vivemos tempos em que as Assembleias Gerais do clube se transformaram em Assembleias Gerais "fantasma", que mais não são que um concurso de popularidade à equipa de futebol masculino profissional. E este é um ponto crucial de análise que não pode ficar sem comentário.
As Assembleias Gerais "fantasma"
Por iniciativa de Rogério Alves, Presidente da anterior Mesa da Assembleia Geral e com continuidade no mandato atual, todas as Assembleias Gerais do clube foram transformadas em Assembleias Gerais "fantasma", já que passam a funcionar numa lógica mais referendária do que outra coisa. Com o atual sistema, os sócios não necessitam participar na discussão, podendo apenas passar por Alvalade, entrar, votar e seguirem com a sua vida. Haverá por certo quem ache isto muito cómodo, mas para mim é um atentado ao associativismo, como fica expresso no Artigo 20.º dos nossos estatutos, que define a participação, a apresentação de propostas e o intervir na discussão ainda antes da votação, como acontece em todas as assembleias gerais, sejam elas de um condomínio ou das maiores empresas do país.
Com marcação para as 9h30, mas com falta de quórum na primeira chamada, a Assembleia Geral de hoje principiará às 10h00 com a abertura das urnas para votação. Nesses primeiros momentos da manhã será realizada uma sessão de apresentação por parte dos órgãos sociais, um ou outro sócio (cada vez em menor número) farão as suas intervenções para um pavilhão completamente despido e dar-se-á por finda a discussão, mantendo-se às urnas abertas até às 20h. Depois disso, e perante um pavilhão vazio são declarados os resultados literalmente para o "boneco". Uma imbecilidade e uma indignidade que vai contra todos os princípios do associativismo, convivência democrática e da união dos associados.
E dou um exemplo concreto relacionado com a AG de hoje, diferente da discussão da alteração dos estatutos. Como podem os Sócios do Sporting votar em consciência o ponto n.º 4, referente à venda de um imóvel que o clube possui em Benavente sem ouvirem as justificações do Conselho Diretivo e a opinião de outros Sócios com conhecimento de causa sobre esta matéria em concreto?
Mesas de voto descentralizadas
Como é evidente, sou completamente contra a adoção do voto eletrónico à distância para este tipo de Assembleia "fantasma".
Contudo, estaria disposto a aceitar um eventual voto eletrónico à distância, suportado por voto em papel, se o mesmo fosse realizado num núcleo ou filial do Sporting com acesso de áudio e vídeo ao debate a decorrer no João Rocha. E dou um exemplo concreto da sua aplicação, recuando até fevereiro de 2018. Nessa altura o Sporting realizou a Assembleia Geral no Pavilhão João Rocha em paralelo com o Multidesportivo, por não caberem todos os associados no Pavilhão. Uma reunião magna que recorreu a um sistema fechado de vídeo, que inclusivamente permitiu aos Sócios que estavam no Multiusos tomarem da palavra e serem ouvidos e vistos no Pavilhão João Rocha.
Um procedimento que está consagrado nos estatutos e que poderia perfeitamente ser melhorado e implementado nas zonas geográficas com maior aglomeração de Sócios do clube, tal como é expresso nos estatutos. Mas há ainda outro método alternativo de voto sem ser presencial.
O voto por correspondência
Através do voto por correspondência, todos os sócios que residam foram da área metropolitana de Lisboa, ou os Sócios que o solicitem à Mesa da Assembleia Geral, recebem em suas casas os boletins de voto para que possam exercer o seu direito de escolha dos órgãos sociais do clube. Mediante reconhecimento de assinatura, podem enviar os seus votos de forma antecipada com todas as condições de confidencialidade e segredo de voto, já que os votos vão enviados lacrados e colocados nas urnas correspondentes.
Admito que é um processo que tem algumas limitações, nomeadamente no que diz respeito ao envio antecipado dos votos, já que obriga o Sócio a decidir o seu sentido de voto alguns dias antes do final da campanha eleitoral, pois só assim será possível garantir que o seu voto chega aos serviços a tempo de ser contabilizado.
Importa ainda dizer que se trata de um procedimento que conta até com apoio de núcleos e filiais, que se disponibilizam a reconhecer a assinatura de forma gratuita. Um exemplo que conheço é o caso do Solar do Norte, onde o reconhecimento das assinaturas é gratuito para sócios do Solar. Parece-me ser um processo perfeitamente exequível para os Sócios que vivem em território nacional. Já para os sócios que vivem no estrangeiro, aí sim, admito que é muito mais complexo e em muitos casos não é exequível o voto por correspondência.
Posto isto, eu diria que temos um problema grande em relação ao voto por correspondência para Sócios que vivem no estrangeiro, e que existe muita margem para se melhorar o voto por correspondência em território nacional.
O voto eletrónico... "à distância"
Antes de falar sobre o novo artigo proposto pelo Conselho Diretivo, importa clarificar que o Sporting já tem voto eletrónico, uma que vez que quando votamos, votamos eletronicamente, mas com a impressão do voto colocando-o depois em urna, que é o que vale para a contagem oficial dos votos e para as recontagens em caso de necessidade.
Mas vamos ao artigo proposto:
O que nós temos aqui é uma proposta de alteração estatutária para que os sócios possam exercer o seu direito de voto nas AG´s eleitorais e AG´s comuns (ordinárias e extraordinárias) através de voto eletrónico à distância, seja no dia da reunião magna, seja nos dias anteriores, conforme for deliberado pela Mesa da Assembleia Geral. O que é outra genialidade. No limite
O "à distância", em complemento com um enquadramento da proposta em que é dito que a ideia passa por "permitir aos Sócios espalhados pelo país e pelo mundo possam ter voz na vida do Clube" é uma equação simples de resolver e que demonstra que não há qualquer tipo de comprovativo em papel, ficando os votos a serem contabilizados exclusivamente de forma eletrónica, já não haverá uma urna em todos os locais do mundo onde existem Sportinguistas. E isto devia desde logo fazer soar todos os sinais de alerta nos Sportinguistas, já que surge a questão:
Confiamos no sistema?
Num clube que anda há anos para fechar uma aplicação para os seus Sócios, com um site da pré-história, com uma loja verde constantemente a dar problemas, vamos confiar que o sistema de votação à distância nunca antes implementado num clube desportivo em Portugal não terá qualquer tipo de problema? O sistema é infalível? Não vamos ter uma quebra no sistema a meio de uma votação, o sistema é impenetrável por terceiros? Se surgirem dúvidas, como é que se prova a validade da votação se não há votos impressos, nem é possível fazermos uma recontagem.
Estão os Sócios do Sporting disponíveis a confiar cegamente a vida do nosso clube num sistema de votação que não tem qualquer suporte em papel que nos permita tirar dúvidas? Eu não estou.
Mas vamos até admitir que o sistema não tem falhas, o que nos leva a uma camada adicional de (des)confiança. Para isso, atentem no ponto 2 do novo artigo 44.º que nos está a ser proposto.
"A entidade independente ao Clube e os senhores auditores"
Portanto, com a norma descrita no ponto 2 deste novo artigo, os resultados de TODAS as Assembleias Gerais do Sporting (eleitorais ou comuns), passam a ser ditadas pelo resultado que aparecer no computador da "tal entidade independente ao Clube", que curiosamente... será escolhida, contratada e paga pelo Conselho Diretivo do Sporting, mas que depois terá a salvaguarda extraordinária de ser auditada de fio a pavio por... uma auditora escolhida, contratada e paga pelo Conselho Diretivo do Sporting. Sinceramente, isto faz-vos sentido?
E deixem-me salientar a forma leviana e propositada como foi redigido este artigo com um extraordinário "independente ao clube". Isto fez-me logo lembrar aquele senhor muito independente do clube que até nem era português e que comprou os terrenos do antigo estádio de Alvalade muito abaixo do valor de mercado, como ficou provado na Auditoria apresentada em sede de Assembleia Geral. Por coincidência, mais tarde os Sportinguistas vieram a saber que esse senhor holandês era compadre de Godinho Lopes, que à data da venda dos terrenos era o vice-presidente com a responsabilidade do património. É a este tipo de "independência do clube" que queremos abrir a porta?
Os Sócios do Sporting até podem confiar cegamente nestes órgãos sociais, mas os estatutos do Sporting são para ser aplicados não só por estes como por todos os órgãos sociais futuros do clube. Estamos pois perante um caminho sem retorno e que pode ser utilizado à vontade do freguês. Mas há mais.
Show me the money
Tratando-se de atos eleitorais e de assembleias gerais do clube, é importante realçar os custos desta "brincadeira" do sistema de votos eletrónicos à distância irá onerar o clube e não a SAD. E aqui eu pergunto: um clube que nos últimos anos tem inclusivamente encerrado modalidades e secções para poupar uns trocados tem agora folga orçamental para gastar uns milhares de euros a pagar a empresas tecnológicas e a auditoras?
E estas empresas, por exemplo, num resultado de um ato eleitoral controlado apenas e só por elas, sem qualquer tipo de escrutínio exterior, não se sentirão tentadas a assegurarem a vitória de um eventual recandidato à Presidência do Sporting, que foi quem as contratou, quem lhes paga e quem terá o poder de renovar contratos de muitos milhares de euros?
E se...existir uma proposta de venda da maioria do capital da SAD?
Se vamos aprovar esta alteração estatutária é bom que olhemos para os casos extremos como o que vou avançar como hipótese meramente académica. Faço-o no limite para que todos consigam perceber as implicações da decisão que vamos tomar na AG de hoje.
Imaginem, por exemplo, que surge uma proposta da venda da maioria do capital que o clube tem na SAD. Nesse caso a decisão caberá sempre aos Sócios do clube que a votarão em sede de Assembleia Geral. Ora, uma proposta deste género implicaria sempre um investimento de centenas de milhões de euros, numa sociedade que nos últimos anos faturou mais de mil milhões de euros (só nos últimos dois anos foram mais de 400 milhões). Ora, com tanto milhão ao barulho e tantos interesses em cima da mesa que teríamos numa hipotética situação deste género, estamos mesmo todos confortáveis que os resultados dados num computador sem hipótese de verificação seriam fidedignos?
Para fechar
Muito mais haveria a dizer sobre os riscos associados à confidencialidade do voto, a possibilidade de compra de votos, a existência de grupos de pressão para votações organizadas no seio de claques ou outros grupos, etc, mas o texto já vai longo.
Para fechar, dizer que registei o facto do Conselho Diretivo ter escolhido o jogo de hoje como "Jogo dos Núcleos", assim como o anúncio cirurgicamente realizado no dia de ontem da atribuição de um bónus de 1,6 milhões de euros aos funcionários do clube, desejando que núcleos, funcionários e demais Sócios Sportinguistas reprovem esta alteração estatutária, proporcionando ao clube nova oportunidade para com responsabilidade e uma ampla discussão se encontrem soluções que defendam verdadeiramente o Sporting e os seus Sócios.